A vitória no Getsêmani – Charles H. Spurgeon

A vitória no Getsêmani – Charles H. Spurgeon

Jesus orando no Jardim do Getsemani

Getsêmani: agonia, luta e vitória

“E, posto em agonia, orava mais intensamente. E o seu suor tornou-se em grandes gotas de sangue, que corriam até ao chão.” (Lucas 22:44)

Quando nosso Senhor terminou de comer a Páscoa e celebrar a ceia com seus discípulos, foi com eles ao Monte das Oliveiras, e entrou no jardim do Getsêmani.

O que o induziu a selecionar esse lugar para que fosse a cena de sua terrível agonia?

Ali ele tinha orado, e obtido força e consolo. Essas enroladas e retorcidas oliveiras o conheciam muito bem; não havia no jardim uma só folha sobre a que Ele não houvera se ajoelhado. Ele havia consagrado esse lugar para comunhão com Deus. Não é nenhuma surpresa, então, que tenha preferido essa terra privilegiada.

Assim como um enfermo escolheria estar em sua própria cama, assim Jesus escolheu suportar sua agonia em seu próprio oratório, onde as lembranças dos momentos de comunhão com Seu Pai estariam de maneira vivida diante Dele. Porém, provavelmente, a principal razão para ir ao Getsêmani foi que era um lugar muito conhecido e frequentado por Ele, e João nos diz: “e também Judas, o que o entregava, conhecia aquele lugar.”

Nosso Senhor não desejava se esconder, não precisava ser perseguido como um ladrão, ou ser buscado por espias. Ele foi valorosamente ao lugar onde seus inimigos conheciam, sabiam que Ele tinha o costume de orar, pois Ele queria ser tomado para sofrer e morrer. Eles não o arrastaram ao pretório de Pilatos contra sua vontade, mas sim que foi com eles voluntariamente. Quando chegou a hora de que fosse traído, ali Ele estava, num lugar onde o traidor poderia encontrá-lo facilmente, e quando Judas o traiu com um beijo, sua face estava pronta para receber a saudação traidora.

O bendito Salvador deleitava-se no cumprimento da vontade do Senhor, ainda que isso implicasse a obediência até a morte. Chegamos assim até a porta do jardim do Getsêmani, portanto, entremos; porém, primeiro, tiremos os sapatos, como Moises quando viu a sarça ardendo com fogo que não se consumia. Certamente podemos dizer com Jacó: “Que terrível é esse lugar!” Temo diante da tarefa que tenho em minha frente, pois, como meu débil discurso poderia descrever essas agonias, para as quais os fortes clamores e as lágrimas seriam escassamente uma adequada expressão?

Meditando na cena da agonia no Getsêmani, somos obrigados a dar-nos conta que nosso Salvador suportou ai uma tristeza desconhecida em qualquer outra etapa de Sua vida, portanto, vamos começar nosso discurso fazendo a seguinte pergunta:

1. Qual era a causa dessa tristeza especial do Getsêmani?

Nosso Senhor era “varão de dores e experimentado no sofrimento” ao longo de toda Sua vida, no entanto, ainda que soe paradoxo, penso que dificilmente existiu sobre a face da terra um homem mais feliz que Jesus de Nazaré, pois as dores que Ele teve que suportar foram compensadas pela paz da pureza, a calma da comunhão com Deus, e a alegria da benevolência. Todo homem bom sabe que a benevolência é doce e seu nível de doçura aumenta em proporção a dor suportada voluntariamente quando se cumprem seus amáveis desígnios. Fazer o bem sempre produz alegria.

Mais ainda, Jesus tinha uma perfeita paz com Deus todo o tempo; sabemos que isso era assim porque Ele considerava essa paz como uma herança especial que Ele podia deixar a seus discípulos, e antes de morrer disse-lhes: “A paz os deixo, a minha paz os dou.” Ele era manso e humilde de coração, e, portanto sua alma possuía o descanso; Ele era um dos mansos que herdam a terra; um dos pacificadores que são e que devem ser abençoados. Estou certo que não me equivoco quando afirmo que nosso Senhor estava longe de ser um homem infeliz.

Sua calma se converteu em tempestade

Porém, no Getsêmani, tudo parece ter mudado. Sua paz o abandonou.

Dentro dos muros do Getsêmani, Ele clama: “Pai, se possível, passe de mim esse cálice.” Observem que dificilmente ao largo de toda sua vida o observam com uma expressão de angústia, e no entanto, aqui Ele fala, não só mediante suspiros e suor de sangue, mas também por meio das seguintes palavras: “Minha alma está muito triste, até a morte.”

No jardim, o homem que sofria não podia ocultar sua angústia, e dá a impressão que não queria fazê-lo. Jesus regressou onde estavam seus discípulos em três ocasiões, permitiu-lhes observar Sua angústia e apelou pela simpatia deles; suas exclamações eram lastimosas, e sem dúvida deve ter sido terrível escutar Seus sussurros e gemidos. Essa angústia manifestou-se primordialmente no suor de sangue.

Nós não vemos em nenhuma outra ocasião nada parecido na vida de nosso Senhor; foi somente no último lance horrendo rodeado de oliveiras que nosso Campeão resistiu até o sangue, agonizando contra o pecado. O que doía a Ti, ó Senhor, que padecias tão dolorosamente nesse momento?

Fica-nos muito claro que sua profunda angústia e inquietude não eram causadas por nenhuma dor física. Sem dúvida nosso Salvador estava familiarizado com a enfermidade e a dor, pois Ele tomou nossas enfermidades, porém nunca antes se queixou de algum sofrimento físico.

Um cálice atordoava sua alma

Cremos que o Pai o colocou a sofrer ali por nós. Era nesse momento que nosso Senhor tinha que tomar certa taça da mão do Pai .  Era um cálice que tinha sido cheio por Um que Ele sabia que era Seu Pai, mas que, no entanto, lhe havia designado uma porção muito amarga, um cálice que não era para o corpo beber, nem para derramar seu fel sobre sua carne, mas sim um cálice que de maneira especial atordoava sua alma e afligia o íntimo de Seu coração.

Ele retrocedia em frente dele, e, portanto podem estar seguros que foi um gole mais terrível que a dor física, pois frente a ela não arredava; era uma porção mais terrível que o vitupério. Disso não havia tratado jamais de escapar; mais horrível que a tentação satânica. Ele a havia vencido: era algo inconcebivelmente terrível, repleto de horror de forma surpreendente, que vinha da mão do Pai. Isso elimina toda dúvida quanto ao que era, pois lemos:

“Todavia, ao SENHOR agradou moê-lo, fazendo-o enfermar; quando a sua alma se puser por expiação do pecado” (Isaías 53:10)

A maldição que os pecadores mereciam

Ele estava próximo a “que pela graça de Deus provasse a morte por todos,” e levar a maldição que os pecadores mereciam. Porque esteve no lugar dos pecadores, sofreu no lugar deles. Aqui está o segredo dessas agonias que não é possível declarar ordenadamente diante de vocês, tão certo é que: “Somente para Deus, e unicamente para Ele Suas angústias são plenamente conhecidas.”

No entanto, quero exortá-los para que considerem por um momento essas angústias, para que possam amar a Quem as sofreu. Agora se dava conta, talvez pela primeira vez, o que significava carregar com o pecado. Como Deus, era perfeitamente santo e incapaz de pecar, e como homem estava sem mancha original, puro e sem nenhuma contaminação; no entanto, teve que carregar com o pecado, ser levado como bode expiatório carregando com a iniquidade de Israel sobre sua cabeça, ser tomado e feito uma oferenda pelo pecado, e como uma coisa desprezível (pois nada era mais  desprezível que a oferenda do pecado), ser levado fora do acampamento e ser totalmente consumido pelo fogo da ira divina.

O surpreende que sua infinita pureza resistira diante disso: Teria sido o que Ele era se houvera deixado de ser um assunto extremamente solene para Ele estar ante Deus na posição do pecador? E como Lutero o expressou, ser visto por Deus como se Ele fosse todos os pecados do mundo, e como se Ele houvesse cometido todo o pecado que foi cometido em todos os tempos por Seu povo, pois todo esse pecado foi colocado sobre Ele, e sobre Ele devia tombar toda a violência que esse pecado exigia; Ele tinha que ser o centro de toda a vergonha e carregar sobre El tudo o que deveria recair sobre os culpados filhos dos homens.

Estar nessa posição quando já era uma realidade deve ter sido muito terrível para a alma santa do Redentor. Também a mente do Salvador estava fixamente concentrada na aborrecível natureza do pecado. O pecado sempre foi algo aborrecível para Ele, porém agora Seus pensamentos estavam absortos nele, viu sua natureza que a palavra de um mortal não poderia descrever, seu caráter atroz, e seu horrível propósito.

A desesperada condição de culpa

Provavelmente nesse momento teve uma visão como homem, mais clara do que em qualquer outro momento, do amplo alcance e do mal do pecado que a tudo contamina, e um sentido da negrura de suas trevas, e da desesperada condição de culpa como um ataque direto sobre o trono, sim, e sobre o próprio ser de Deus. Ele viu em sua própria pessoa até onde poderia chegar o pecador, como podiam vender a seu Senhor como Judas, buscando destruí-lo como os judeus fizeram.

O cruel e pouco generoso tratamento que Ele mesmo tinha recebido fazia patente o ódio do homem para Deus, e, ao vê-lo, o horror apoderou-se Dele, e Sua alma estava triste ao pensar que tinha que carregar com todo esse mal e tinha que ser contado entre tais transgressores, ser ferido por suas transgressões, e golpeado por suas iniquidades. Nem as feridas nem os golpes o afligiam tanto como o pecado mesmo, e isso sobrecarregava completamente Sua alma. Sem dúvida nesse momento a pena pelo pecado começou a ser percebida por Jesus no jardim: primeiro o pecado, que o havia posto na posição de um substituto que sofre, e depois a pena que devia suportar, ao estar nessa posição de substituto.

Todo o inferno foi destilado nessa taça, da qual nosso Deus e Salvador Jesus Cristo foi obrigado a beber. Não era sofrimento eterno, mas devido que Ele é divino, pode oferecer a Deus em um curto tempo o desagravo de sua justiça, que os pecadores no inferno não poderiam ter oferecido ainda que sofressem em suas pessoas por toda a eternidade. A dor que quebrantou o espírito do Salvador, o grande oceano sem fundo de angústia inexpressável que inundou a alma do Salvador quando morreu, é tão inconcebível, que não posso me aventurar muito longe, para não ser acusado de um vão intento de expressar o inexpressável.

A sombra da tempestade que se aproximava

Porém, sim, posso dizer isso, a simples espuma proveniente desse mar tempestuoso, ao cair sobre Cristo, o batizou em um suor sangrento. Ainda não havia se aproximado as ondas impetuosas do castigo mesmo, mas simplesmente o ato de estar de pé na costa, ao ouvir as terríveis ondas rompendo seus pés, sua alma estava muito confusa e triste. Era a sombra da tempestade que se aproximava, era o prelúdio do terrível abandono que devia suportar, ao estar onde tinha que estar, e pagar à justiça de seu Pai a dívida que nós deveríamos pagar – isso o tinha derribado. Ser tratado como um pecador, ser castigado como um pecador, ainda que Nele não havia pecado, tudo isso é o que ocasionava Nele a agonia a que nosso texto se refere.

Tendo falado assim da causa de sua especial angústia, penso que poderemos fundamentar nosso ponto de vista sobre a matéria, enquanto os levamos a considerar

2. Qual era o caráter dessa angústia?

Qual era essa angústia? Como foi descrita?

Essa grande pena assediou nosso Senhor mais ou menos quatro dias antes de sua paixão. Se lemos em João 12:27, achamos essa assombrosa expressão: “Agora está minha alma perturbada” Nunca o escutamos dizer algo igual antes. Isso era uma antecipação da grande depressão do espírito que pronto o ia prostrar no Getsêmani.

“Agora a minha alma está perturbada; e que direi eu? Pai, salva-me desta hora; mas para isto vim a esta hora. (João 12:27)”

O principal sofrimento de nosso Senhor estava em Sua alma. Os sofrimentos de Sua alma eram a alma de Seus sofrimentos. “Quem suportará ao ânimo angustiado?” a dor de espírito é a pior das dores, a tristeza de coração é o ápice das aflições.

No capítulo 26 de Mateus, no versículo 37 está registrado que Ele “começou a entristecer-se e a angustiar-se muito” e essa expressão está cheia de significado.

O requerido abandono de Seu Pai, embargava todas as Suas meditações, impedindo que Sua alma se fixasse em alguma outra coisa. Era lançado de um lado a outro como que sobre um poderoso mar embravecido, envolto na tormenta, arrastado por sua fúria. “e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus, e oprimido. (Isaías 53:4)”.

Nosso Senhor estava “muito angustiado”, muito abatido, muito desalentado, sobrecarregado pela pena. Marcos nos diz, continuando, no capítulo 14, versículo 33, que nosso Senhor “começou a ter pavor, e a angustiar-se” A palavra grega não tem somente a conotação de que Ele estava assombrado e surpreendido, mas sim que Sua estupefação chegava ao limite do horror… assim nosso Senhor foi alcançado pelo horror diante do espetáculo do pecado que foi depositado sobre Ele e a vingança que era exigida por sua causa.

Agonia, contenda, luta

Ele em sua condição de homem, escassamente pode saber o que era que se havia comprometido em carregar. Ele o tinha considerado com calma e tranquilidade, e tinha sentido que independentemente do que fora, Ele o carregaria por nós; porém, quando chegou o momento de carregar realmente com o pecado, estava totalmente perplexo e surpreendido pela terrível posição de estar no lugar do pecador diante de Deus. De que Seu santo Pai o contemplara como o representante do pecador, e de ser abandonado por esse Pai com quem Ele havia vivido em termos de amizade e deleite desde toda a eternidade. Isso fazia cambalear sua natureza santa, terna, cheia de amor, e Ele estava “profundamente afligido” e “angustiado”.

Lucas nos diz em nosso texto, que nosso Senhor estava em agonia. A expressão “agonia” significa um conflito, uma contenda, uma luta. Com quem era essa agonia? Com quem lutava? Eu penso que era consigo mesmo; a contenda aqui assinalada não era com Seu Deus; não, “não seja como eu quero, mas como tu” não descreve uma luta com Deus; não era uma contenda com Satanás. Era um terrível combate consigo mesmo, uma agonia dentro de Sua própria alma.

Recordem que Ele teria podido escapar de toda a aflição se Sua vontade assim o tivesse desejado, e naturalmente sua natureza humana dizia: “Não leves essa carga!” e a pureza de Seu coração dizia: “Oh, não leves essa carga, não te ponhas no lugar do pecador;” e a delicada sensibilidade de Sua misteriosa natureza se retraia de qualquer tipo de conexão com o pecado: no entanto, o amor infinito dizia: “leva-a, dobre-se sob essa carga”; e assim, existia uma agonia entre os atributos de Sua natureza, uma batalha em uma escala terrível na arena de Sua alma.

A pureza que não pode suportar entrar em contato com pecado deve ter sido muito poderosa em Cristo, enquanto que o amor que não queria permitir que seu povo perecesse era também muito poderoso. Era um conflito em escala titânica, como se um Hércules tivesse encontrado outro Hércules; duas forças tremendas lutavam e combatiam e agonizavam, no sangrento coração de Jesus.

Não me surpreende que o suor de nosso Senhor fora como grandes gotas de sangue, quando tal pressão interna o triturava como um ramo de uva pisoteado num lagar.

3. Qual foi o alívio de nosso Senhor?

Ele buscou ajuda na companhia dos homens, e era muito natural que assim o fizesse. Deus criou em nossa natureza humana uma necessidade de simpatia. É perfeitamente normal que nós esperemos que nossos irmãos vigiem conosco em nossa hora de provação; porém, nosso Senhor deu-se conta que os homens não eram capazes de ajudá-lo; sem importar quanto seus espíritos queriam ajudar, sua carne era fraca.

Então, o que fez? Recorreu à oração, e especialmente a Deus em seu caráter de Pai. A oração era o canal do consolo do Redentor; verdadeira, intensa, reverente, a oração que se repete, e depois de cada tempo de oração regressava a calma e voltava para seus discípulos com uma medida de paz restaurada. Quando viu que dormiam, suas aflições regressaram, e, portanto voltou a orar de novo, e cada fez foi consolado, de tal forma que quando orou pela terceira vez já estava preparado para se encontrar com Judas e com os soldados, e para ir com silenciosa paciência ao juízo e à morte.

Seu grande consolo era a oração e a submissão à vontade divina, pois quando colocou Sua própria vontade aos pés de Seu Pai a debilidade de Sua carne não se queixou mais, sim que em doce silêncio, como uma ovelha submetida aos tosquiadores, conteve a Sua alma em paciência e descanso.

Vejam o amor sem par de Jesus, que por causa de vocês e por mim não somente sofreu no corpo, mas sim que consentiu em carregar com o horror de ser contado como um pecador, e colocar-se sob a ira de Deus por causa de nossos pecados: ainda que lhe custou sofrer até a morte, e uma terrível aflição, o Senhor se apresentou como nossa garantia antes que nós perecêssemos.

Por acaso não poderíamos suportar com alegria a perseguição por causa Dele? Não poderíamos trabalhar para Ele com total entrega?

“Amados irmãos, dentro de nós também travamos um luta quanto ao que se refere à Evangelizar. Uma luta com o nosso próprio eu, que não deseja vencer as barreiras, que sente vergonha de testemunhar da sua fé, que não deseja ser ridicularizado, inconveniente, inoportuno. Considerado muitas vezes como cidadão de segunda categoria. Essa luta só poderemos vencer com o poder de Deus, através da oração.” by Maria Donizeti, Editora Elim

(Extraído do Sermão “A Agonia no Getsêmani” de Charles Haddon Spurgeon, no site http://www.projetospurgeon.com.br)

 

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